sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Inquérito à população sobre o Ribatejo e a estremadura

Este inquérito foi realizado a 40 indivíduos da cidade de Tavira para testar os conhecimentos sobre a Estremadura e o Ribatejo, obtendo os seguintes resultados:



À pergunta “Diga o nome de uma cidade que pertence à região da Estremadura?”, apenas 38% responderam correctamente, Sintra.





À pergunta “ Qual o nome do rio que passa pela ponte Salgueiro de Maia?”, apenas 25% das pessoas responderam correctamente, Rio Tejo.






À pergunta “ Como se chama o castelo da Estremadura que tem telhado verde?”, apenas 60% das pessoas responderam correctamente, Castelo de Porto Mós. 





À pergunta “Qual a tradição mais antiga do Ribatejo?”, 70% das pessoas responderam correctamente, Tourada.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Estremadura

O nome de Estremadura deve-se ao fato de na reconquista ser a zona onde Estremavam os territórios 
submetidos a mouros e a cristãos. É uma região de terras férteis, devido à travessia do Rio Tejo, onde se produz fruta, legumes, cereais, tomates, azeite e vinho, tendo como principal caraterística as suas lezírias com a criação de cavalos e touros. Esta região possui uma grande concentração de indústrias hortícolas e atividades piscatórias. Esta região é rica em diversividade de paisagens que contrastam entre as suas praias e as suas serras.
A Estremadura abrange a área dos seguintes municípios incluídos nos distritos de: Leiria, Alcobaça, Alvaiázere, Ansião, Batalha, Bombarral, Caldas da Rainha, Marinha Grande, Nazaré, Óbidos, Peniche, Pombal e Porto de Mós.
Lisboa é a capital e a maior cidade de Portugal. Lisboa possui inúmeras atrações turísticas, e está localizada na margem direita do Rio Tejo, abrange a área dos seguintes municípios: Odivelas, Loures, Benavente,  Amadora, Alcochete, Oeiras, Almada, Seixal, Montijo, Moita, e Barreiro.
Lisboa é a cidade mais rica de Portugal, o porto de Lisboa é o mais activo da costa Atlântica Europeia. As indústrias principais consistem em refinarias de petróleo, indústrias têxteis, estaleiros, siderurgia e pesca.
É também uma cidade com uma vibrante vida cultural. Epicentro dos descobrimentos, desde o século XV a cidade é o ponto de encontro das mais diversas culturas.
A estremadura é também abrangida por alguns concelhos do distrito de Setúbal, tais como: Alcochete, Almada, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela, Seixal, Sesimbra, Setúbal.
A cidade possui imensos bairros destacando o Bairro do Troino, as Fontainhas, o Bairro Santos Nicolau e a fonte nova, zonas onde viviam grande parte da comunidade de pescadores.
É conhecido por ser um importante centro industrial e por possuir o terceiro maior porto de Portugal.
Desde o castelo de São Filipe podem-se apreciar umas magnificas vistas da cidade de Setúbal.
No inverno as temperaturas são baixas e os verões muito quentes chegando aos 40º.
Alcochete é sede da Reserva Natural do Estuário do Tejo, possuindo várias salinas onde nidificam diversas espécies de aves aquáticas.
Acredita-se que Alcochete terá origem Árabe, principalmente devido a dois factos: A origem do nome Al caxete que poderá significar o forno e pela localização da Igreja Matriz, edificada no século XIV e que, segundo a tradição da época, foi construída sobre um templo árabe.
No entanto a primeira ocupação humana documentada refere-se à presença Romana, através de achados de um centro de olaria onde eram fabricadas ânforas e outros artefactos para acondicionamento e transporte de alimentos. À ocupação romana, sucedeu a ocupação árabe, sendo o topónimo o legado mais visível, desenvolvendo estes na região a agricultura: sistemas de rega por canais e citrinos.
A designação de Almada pensa-se que possa ser proveniente da palavra árabe المعدن (transliteração:al-ma'adan), «a mina», pelo motivo de que, aquando do domínio árabe da Península Ibérica, os árabes procediam à exploração do jazigo de ouro da Adiça, no termo do Concelho.

Por volta do século XIX, o concelho de Almada altera-se como consequência de vários tipos de indústria, nomeadamente na área da tecelagem, da indústria naval, moagem e cortiça. Devido à união de duas características como o sector industrial e a disposição geográfica da cidade, Almada tornou-se um ponto de fixação da população. A 4 de Outubro de 1910 desenvolve-se a antecipação da proclamação da república neste concelho. Sendo dos primeiros concelhos a destacar-se nesta afirmação política. Em finais dos anos 40 até início dos anos 70, há um aumento abrupto do fluxo migratório devido à procura de emprego e de habitação, criando grandes mudanças no concelho, e consequentemente afetando os transportes, urbanismo e vida sociocultural.
A cidade portuguesa de Barreiro teve origem numa «pobra» ou aldeia ribeirinha, repovoada após a reconquista, sob a égide dos Cavaleiros da Ordem de Santiago da Espada. A paróquia de Santa Cruz do Barreiro remonta aos séculos XIII-XIV, tendo sido comenda da Ordem de Santiago da Espada.
Desde então o Barreiro tornar-se-ia uma “moderna vila industrial e operária", transformando por completo o antigo aspecto da vila, tanto social, económica, como urbanisticamente, o Barreiro transfigurava-se. A malha urbana cresceria além dos limites do próprio concelho, até à vizinha Moita. Os vestígios deste passado são ainda hoje uma marca da cidade, através das Oficinas da CP, dos Bairros Operários, e em especial do ainda presente parque industrial-empresarial da Quimiparque (actual nome da antiga CUF e QUIMIGAL).
É sede de um pequeno município com 55,08 km² de área mas 66 029 habitantes (2011), subdividido em 6 freguesias. O município é limitado a norte e a leste pelo município do Montijo, a sueste por Palmela, a oeste pelo Barreiro e a noroeste tem uma estreita faixa ribeirinha no estuário do Tejo.
Montijo tem a sua história intimamente ligada ao Rio Tejo, pois grande parte da sua área geográfica é delimitada pelo mesmo. A presença humana fez-se sentir naquela região desde muito cedo (pelo menos desde o Paleolítico, segundo vestígios arqueológicos encontrados), devido, muito provavelmente, às excelentes condições naturais.
Em 1942 a cidade de Montijo beneficiou de profundas obras de "melhoramentos locais", nomeadamente com a instalação das redes públicas de abastecimento de água e luz eléctrica. Ao longo da década seguinte (1950) a cidade inaugurou o novo Palácio da Justiça (sede do Tribunal da Comarca de Montijo), a nova Estação dos CTT, o Hospital Distrital, o Mercado Municipal, o Cine-Teatro Joaquim de Almeida, o Estabelecimento Prisional de Montijo, a Praça de Touros Amadeu Augusto dos Santos (que substituiria a velha Praça de Touros construída em 1888), entre outros equipamentos. Inaugurou, também, dentro dos limites do concelho, a novíssima Colónia Agrícola de Pegões, aí instalada pela Junta de Colonização Interna e que viria a constituir, por desanexação de áreas pertencentes às freguesias de Canha e Marateca, a freguesia de Santo Isidro de Pegões.
A presença do Homem na região que hoje é ocupada pelo município de Palmela remonta ao Neolítico superior, onde a sua presença é bastante notada, sobretudo durante a cultura do campaniforme, e cujo testemunho nos foi deixado sob a forma do mundialmente conhecido Vaso de Palmela. Ocupada por celtas, romanos e árabes, todos encontraram neste território um lugar estratégico para se fixarem.
Foi no Seixal que os irmãos Vasco e Paulo da Gama construíram as embarcações para a viagem até à Índia. Enquanto Vasco da Gama estava em Lisboa a preparar a viagem, Paulo da Gama comandava os carpinteiros e calafates na construção das naus. Estêvão da Gama, pai dos navegadores, foi comendador do Seixal.
No início do século XVI, a população rondava as três dezenas de fogos e no dealbar do século XVIII, o número de habitantes ascendia a cerca de 400 pessoas. Actualmente, o Concelho tem 180 mil habitantes.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013


    Pastor – Minde – Estremadura

No essencial este traje identifica-se com os seus congéneres da região, mantendo alguns acessórios comuns a todos os pastores, como sucede com a manta, sempre de tecelagem caseira local e decorada nos tons naturais da lã. Também a saca da merenda, a cabaça com água-pé e porrete são indispensáveis para o trabalho atrás dos rebanhos. A zona de Minde era um importante centro de produção de mantas e também de tecidos para os hábitos dos frades, terá contribuído para o abastecimento de panos de lã às populações mais próximas. Por outro lado, a circulação destes produtos, nomeadamente das mantas, pelas feiras de todo o País, muito em particular no Alentejo, terá contribuído para influenciar o seu desenho característico, as mantas de riscas. Mas os contactos entre estas duas regiões, também traziam do Alentejo a lã que abastecia a insuficiente produção local. O pastor vestia camisa de riscado com cós, aberta sobre o peito. Colete de cotim cinzento-escuro, ajustado com botões. Calças do mesmo tecido, com bolsos metidos nas frentes, ajustadas com cinta preta. Na cabeça, barrete de lã da mesma cor e lenço tabaqueiro ao pescoço. Sobre o ombro, manta de riscas de Minde. Segura na mão a saca de retalhos onde transporta a merenda, a cabaça e o varapau. Calça botas de couro ensebadas.


Trajos Domingueiros Saloios – Estremadura





Aos domingos e dias de festa o povo gostava de se vestir com o que de melhor tinha, que não era muito, pelo que se reservava para esses dias um fatito melhor, que logo de seguida era cuidadosamente limpo e guardado, para que se não estragasse, pois só havia esse e pouco dinheiro para comprar ou fazer outro.
O trajo domingueiro masculino era composto por camisa branca em popelina, com peitilho em piquete, de manga comprida com punho, colete de fazenda preto sem bandas (as costas eram de fazenda aos quadrados de cor garrida), calça preta de cós alto com fivelas atrás, à boca-de-sino justo à bota e cinta preta. Jaqueta em fazenda preta com gola em veludo e alapares. Calçava botas de calfe preto. Usava barrete ou chapéu preto. Fazia-se acompanhar de um pau,
“não fosse o diabo tece-las …”.

A rapariga veste casaquinha com gola de gargantilha, abotoada à frente com botões e machos atrás, manga comprida com punhos pretos. Saia comprida de armar sobre o saiote e os colotes de pano branco decorado com rendas. Calça meia de algodão e sapatos de afanado com atacadores. Na cabeça, lenço de cachené. Os morgados eram pessoas de bens, abastados, viviam das terras que possuíam ou que arrendavam, portanto, podiam vestir um pouco melhor e exibir melhores adornos. A mulher usava um lenço branco de seda lavrada na cabeça, casaco preto em seda lavrada de gola e bandas, com machos atrás e punhos de veludo, a saia era comprida do mesmo tecido. Blusa de seda branca, com folhos no peito e punhos rendados. Como roupa interior, vestia saiote e colotes brancos com renda. Calça meias brancas de algodão e sapatos pretos de calfe. Transporta bolsa de veludo preto, para guardar alguns valores e xaile preto de merino franjado, para se proteger do frio.
O homem, veste calças de fazenda de fantasia, à boca-de-sino, colete de astracã preto, jaqueta do mesmo material, com gola de veludo preto e alapares de seda. Camisa branca em popelina com peitilho em nervuras. Ajusta a cintura com cinta de merino preta e na cabeça, chapéu preto de aba larga. Calça botas de cabedal preto. Usa relógio de bolso, com corrente de prata.

Lenda contada por Manuel Bernardes em "Nova Floresta".


Em 1171, Santarém foi cercada pelos muçulmanos. D. Afonso Henriques encontrava-se na vila. Apesar de já não poder montar a cavalo, quis ir combater. Para isso, mandou preparar um carro para o levar ao campo inimigo. Os seus companheiros tentaram dissuadi-lo, preocupados com a segurança do rei de Portugal. Mas este respondeu-lhes:
-"Se pela ventura alguns tiverem receio, o que não cuido, fiquem na Vila, e não vão lá, que eu não poderei sofrer tanta vergonha". E lá partiu para o campo de batalha. Como de costume lutou bravamente, causando muitos mortos no exército inimigo. Venceram os portugueses. Depois da batalha, o rei contou que vira, ao lado do seu braço direito, um outro braço armado e que terminava junto ao ombro com uma asa de cor púrpura. Este braço tinha-o ajudado na luta e tinha-o defendido dos golpes do inimigo. O rei concluiu que este braço pertencia ao seu anjo custódio ou ao arcanjo S. Miguel, visto que ele lhes tinha pedido auxílio antes de entrar na batalha. Muitos dos mouros que tinham também participado na batalha e que ficaram cativos, afirmaram terem visto o mesmo.


                        A Lenda do Castelo de Almourol

Durante a Idade Média, o Castelo de Almourol suscitou a criação de numerosas lendas, às quais não foram decerto alheias a beleza natural do lugar e a harmonia da construção. Uma delas é a de D. Ramiro, alcaide do Castelo de Almourol. Conta a lenda que, voltando cheio de sede de uma campanha guerreira, encontrou duas formosas mouras, mãe e filha, que traziam com elas uma bilha de água. D. Ramiro pediu à filha que lhe desse de beber. Esta, assustou-se e deixou cair a bilha. Enraivecido, D. Ramiro matou-as. Nesse momento apareceu um rapazinho de 11 anos, filho e irmão das assassinadas.

O cavaleiro logo ali o fez cativo e trouxe-o para o castelo. Quando chegou, o pequeno mouro jurou que se vingaria na mulher e na filha de D. Ramiro, duas damas muito belas. Tempos depois, a mulher do castelão definhou e acabou por morrer, vítima de venenos que o mouro lhe foi dando a pouco e pouco. Porém, não conseguiu matar Beatriz, a filha de D. Ramiro, porque os dois se apaixonaram. Um belo dia, D. Ramiro chegou ao Castelo na companhia de outro alcaide, a quem tinha prometido a mão de sua filha. Os jovens apaixonados, inconformados com a sorte que os esperava, fugiram sem deixar rasto. D. Ramiro morreu pouco depois, vitimado pelo desgosto. O castelo, abandonado, caiu em ruínas. Dizem que, nas noites de S. João, D. Beatriz e o mouro aparecem, abraçados, na torre grande do castelo. A seus pés, D. Ramiro implora perdão, mas o mouro inflexível responde-lhe com dureza:
- MALDIÇÃO!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013


Lenda do Alfageme de Santarém


Ora aconteceu que, certo dia, D. Nuno Álvares Pereira, cavalgando de longe, veio parar à porta de Fernão Vaz.  A história tradicional do Alfageme de Santarém, que o povo conta de várias maneiras — mas sempre à sua maneira — foi conservada para a posteridade através da Crónica do Contestante, atribuída a Fernão Lopes, e deu origem, além de outros trabalhos novelísticos, poéticos e jornalísticos, ao bem conhecido drama teatral de Almeida Garrett, que se representou pela primeira vez em público no velho teatro da Rua dos Condes, em 1842.
Porém, para a evocação que vou fazer, mais do que nessas duas preciosas fontes, baseio-me na narrativa que dela ouvi, quando ainda menino, a um velho campino do Ribatejo. Foi essa a primeira vez que aos meus ouvidos chegou a história do Alfageme. E lá diz o povo, na sua terna sabedoria: «Não há amor como o primeiro…»·
Ele chamava-se Fernão Vaz e era considerado, pelos entendedores, o melhor alfageme das redondezas. Já seu pai fora também um grande artífice. À custa de muito trabalho e de alguns sacrifícios, Fernão Vaz juntara fortuna que lhe dava uma certa independência. E também uma certa soberba. Dizia-se até que fora por via dessa fortuna que com ele casara a jovem e linda Alda Gonçalves, a qual, em tempos, andara enamorada de D. Nuno Álvares Pereira.
D. Nuno saltou em terra e dirigiu-se ao homem que continuava a trabalhar, como que indiferente ao que se passava em seu redor.
— Eh, mestre alfageme!... Podeis corrigir-me esta espada?
O outro suspendeu o trabalho que tinha entre mãos. Olhou para D. Nuno. Olhou para a espada. E só então falou.
— Senhor, por hoje cheguei ao fim do meu trabalho... E bem preciso de descansar...
Olhou-o de novo e rematou com ênfase:
— Mas, enfim, como se trata de vós, ordenai. Farei o que desejardes.
D. Nuno Álvares Pereira sorriu.
— Obrigado, mestre alfageme... Disseram-me que ninguém possui habilidade igual à vossa...
No silêncio que se fez, olharam-se melhor. D. Nuno Álvares Pereira reparou então mais atentamente no homem que tinha diante de si.
— Céus, de onde conheço eu o vosso rosto?... Onde vi eu já esses vossos olhos... irónicos e indiscretos?
Fernão Vaz inclinou-se levemente, numa vénia.
— Senhor D. Nuno Álvares Pereira...
Novo espanto. Maior e mais profundo.
— Pois... conheceis-me?
Foi a vez do alfageme sorrir.
— E quem não vos conhece?
Depois, avançou um pouco e disse em tom pausado:
— Vou ajudar a vossa memória, senhor. Eu sou o marido de Alda Gonçalves... agora Dona Alda Vaz!
Seguiu-se uma pausa. Pausa feita de recordações. De alegres e tristes recordações. Quando voltou a falar, a voz de D. Nuno Álvares Pereira era menos firme.
— O quê? Sois vós?... Bem me lembro agora, afinal... Principalmente dos vossos olhos, irónicos e indiscretos...
Mudando o tom da voz, continuou, com aquela segurança de ânimo que lhe dava uma irresistível autoridade:
— Mas aqui vos deixo a espada, mestre alfageme... Quando a darão pronta?
O outro segurou a arma e mediu-a longamente com o olhar.
Longamente e abstractamente. Pensava decerto noutras coisas. Mas a sua voz soou igualmente segura, como quem acaba de tomar uma grande resolução.
— Amanhã de manhã podereis vir buscá-la, senhor D. Nuno… Não me deitarei sem que a deixe corrigida e afiada, como desejais!
D. Nuno sorriu cortesmente.
— Obrigado, mestre... Até amanhã!·
Tal como prometera, Fernão Vaz passou a noite inteira trabalhar a espada de D. Nuno Álvares Pereira. Era já manhãzinha quando recolheu aos seus aposentos. Apesar de todas as recomendações, Alda ainda estava desperta.
— Só agora, Fernão Vaz?
Ele estacou à porta do quarto ao escutar aquela voz doce mas autoritária. E foi ainda dominado pela surpresa que balbuciou uma pergunta:
— Pois não dormistes?... Ficastes toda a noite à minha espera?
Um sorriso bonito e amoroso envolveu a resposta.
— Sim, meu bom marido... Eu poderia lá adormecer sem a vossa companhia!...
E, num ar de ternura, acrescentou entre dois breves suspiros:
— Sozinha, tive tanto susto, senhor meu marido! Felizmente, ouvia-vos a trabalhar na oficina...
Suspendeu-se um momento. E, num reflexo de curiosidade recalcada, acabou por perguntar:
— Mas, afinal, que trabalho foi esse que vos fez esquecer a vossa mulher?
Fernão Vaz olhou-a, sorrindo. Sorriso com mistura de carinho e de altivez.
— Sabeis lá!... Estive a afiar e a corrigir uma espada... para quem talvez não o devesse fazer...
Ela soergueu-se do leito. Intrigada. Desconfiada. Perplexa.
— Que tamanho segredo é esse, senhor meu marido?... De quem se trata?
Fernão Vaz fitou-a bem de frente.
— Pois escutai, senhora... Estive a trabalhar... para D. Nuno Álvares Pereira!
Ela não pôde disfarçar o choque. A sua voz tornou-se nervosa e trémula.
— Como? Que dizeis?... D. Nuno esteve aqui?... E que vos desejava ele?
O sorriso do marido alargou-se, estendeu-se, acentuou-se, deixando-a mais tranquilizada.
— Já vos disse... Estive a corrigir e a afiar a sua espada.
Um suspiro escapou-se dos lábios de Alda Vaz.
— Oh, meu Deus!
O marido inclinou-se imediatamente para ela, ávido de revelações.
— Vedes?... Vedes como ainda gostais dele?... Eu sempre temi este momento!
As mãos dele caíram, num desânimo sincero, ao longo do corpo.
— O vosso coração não me pertence!
Mas logo as mãos dela correram a segurar as mãos do marido, apertando-as, puxando-as para si, aquecendo-as com amor.
— Calai-vos, senhor meu marido!... Não deveis dizer tontices... O meu coração é vosso, desde que casei convosco...
Ele ainda quis aproveitar, para insistir na sua suspeita de ciúmes.
— Mas ficastes impressionadas, confessai!
Alda Vaz riu-se. Riso meigo, tranquilizador.
— Ora, apenas porque receei por vós... Às vezes, acreditai, o despeito transtorna os mais sensatos...
O tom da sua voz adquiriu ainda maior sinceridade.
— E embora eu confie plenamente na nobreza de sentimentos de D. Nuno, tive medo, muito medo!
Suspirou profundamente, sentidamente, e rematou:
— Felizmente que ele veio por bem!
Fernão Vaz endireitou-se, numa postura altiva.
— Eu disse-lhe que era vosso marido!
Por instantes, a curiosidade bailou no olhar alvoroçado de Alda Vaz.
— E ele?... Que disse ele?
A resposta veio com um sorriso. Sorriso tocado de ironia.
— Nada disse, senhora!... Nem sequer perguntou por vós...
Alda Vaz pestanejou. Nem pareceu reparar na ironia do sorriso. Limitou-se a concluir, em voz baixa e despida de emoção:
— Já me esqueceu, decerto... como eu também já o esqueci...
Depois estendeu as mãos ao marido, num gesto de carinhosa chamada.
— Sinto-me feliz, tal como sou!
Ele ajoelhou junto do leito e beijou-lhe as mãos. Suavemente. Amorosamente.
— Como vos adoro, senhora!... Hoje mais que nunca!·
Na manhã seguinte, conforme ficara combinado, D. Nuno Álvares Pereira veio à oficina logo ao romper do sol. O alfageme já o esperava. Mal o viu, correu para ele.
— Aqui tendes a vossa espada, senhor.
D. Nuno Álvares Pereira examinou-a atentamente, como um conhecedor. E o seu rosto reflectiu alegria e satisfação.
— Belo trabalho, mestre alfageme... Está perfeitíssima!
Voltou-se então para trás, gritando a um dos seus acompanhantes.
— Eh, escudeiro, pagai ao mestre alfageme o que ele vos pedir!
Mas Fernão Vaz, nessa altura, adiantou-se um pouco e interpôs-se entre ambos.
— Perdão, senhor D. Nuno... Se mo permitem, eu por ora não quero de vós nenhum pago.
O outro olhou-o. Surpreendido. Desconfiado. E gritou:
— Mas porquê?... Estais louco, decerto!
Sem alterar a voz, o alfageme confirmou:
— É o que vos digo, senhor... Nada quer receber.
E emoldurando então as suas palavras firmes num sorriso de confiança, acentuou:
— Ide embora, que em breve voltareis conde de Ourém... E então me pagareis o que eu merecer, senhor conde!
O semblante de D. Nuno desanuviou-se um pouco. Um breve sorriso nasceu ao canto dos lábios.
— Não me chameis conde, porque eu não o sou, mestre alfageme...
A sua voz tornou-se menos dura e autoritária.
— Deixai que vos paguem tudo o que quiserdes...
Fernão Vaz cruzou os braços numa obstinada recusa.
— Não é preciso, senhor... Eu só vos disse a verdade... E assim será cedo, se Deus quiser!

E Deus quis, na verdade, que a profecia do alfageme de Santarém depressa se realizasse. Mercê dos seus feitos de valentia e de heroísmo, fazendo frente a inimigos muito superiores em número e vencendo-os sem remissa, D. Nuno Álvares Pereira foi agraciado por el-rei D. João I com o honroso título de conde de Ourém.

Entretanto, em redor da vida de Fernão Vaz, o alfageme de Santarém, tinham-se amontoado muitas nuvens de tormenta, que ameaçava desencadear-se com terríveis consequências. De facto, invejas e intrigas minavam o prestígio de Fernão Vaz, até que os seus inimigos pessoais, arrastados pelo despeito e pela maldade, resolveram acusá-lo publicamente como traidor à Pátria.
Fernão Vaz sentiu-se desamparado. O cerco apertava-se cada vez mais. Os fregueses desapareceram, apavorados. E ele acabou por ser preso, vergado às infames acusações que lhe faziam.
Triste, desesperada, Dona Alda Vaz chorou a sua dor. A sua dor e o seu protesto.
— É falso! É mentira! Meu marido está inocente, mil vezes inocente! São os outros que nos querem mal, porque somos ricos e felizes... Socorrei-nos, meu Deus! Valei-nos!... Livrai meu marido da forca!
Mas de nada serviam as palavras e as lágrimas de Dona Alda Vaz. O alfageme de Santarém continuou preso e os seus bens foram totalmente confiscados. Vinha próxima a hora da morte!

Como último recurso, não vendo qualquer outra possibilidade, a jovem esposa decidiu procurar pessoalmente D. Nuno Álvares Pereira, o novo conde de Ourém.
Ele não a fez esperar. Mas quedou-se boquiaberto, quando a viu surgir na sua frente.
— Senhora! Vós aqui... e nesse estado? Por Deus!... Porque chorais, senhora?... Que vos aconteceu?
Entre duas novas crises de lágrimas que a faziam tremer, Dona Alda Vaz conseguiu explicar.
— Senhor D. Nuno, sabei que prenderam meu marido... Imaginai senhor! Acusam-no de traidor!
Parou, já sem fôlego. Exausta. Deprimida. Prestes a desmaiar. Porém, num novo impulso de coragem e de revolta, ainda soluçou baixinho:
— Sim, acusam-no de traidor… mas ele está inocente!... Absolutamente inocente!
E como que a lembrar-se do passado, ergueu para D. Nuno os lindos olhos inundados de lágrimas.
— Senhor... ainda acredita em mim?
Um suspiro incontido saltou do peito de D. Nuno Álvares Pereira e escapou-se-lhe por entre os lábios.
— Ainda acredito em vós, sim!...
Semicerrou os olhos e as suas mãos cruzaram-se.
— Houve tempo em que talvez não acreditasse... Foi muito forte a desilusão de amor que me fizestes sofrer...
Ela baixou a cabeça. Como que vencida. Mais do que vencida, humilhada. Expiando a sua própria culpa.
— Senhor... por tudo vos peço que esqueçais esses tempos!...
Ele amparou-a docemente, obrigando-a a sentar-se. Depois sentou também diante dela e falou calmamente.
— Bem sei, Dona Alda Vaz... Tendes medo que o despeito me domine o coração, não é verdade?...
A voz tornou-se mais austera.
— Descansai!... Eu não posso nem devo olvidar que a profecia do vosso marido saiu certa... Infalivelmente certa!... Hoje sou conde Ourém, tal como ele me disse certo dia, em que eu não sonhava ainda sequer com esse título...
Levantou-se, deu alguns passos e voltou a parar em frente da desolada e lacrimejante Dona Alda Vaz. Depois sorriu, a acompanhar qualquer reflexão que lhe vinha do íntimo.
— Tem graça, Dona Alda Vaz... Lembro-me agora que vosso marido me disse também, nessa altura, que depois de eu ser conde de Ourém lhe pagaria o trabalho, conforme ele merecesse...
A sua voz soou como um clarim de combate.
— Pois muito bem: vou pagar-lhe!
A medo, tremendo mais, D. Alda Vaz perguntou:
— Senhor! Que ides fazer?... Matá-lo?
Sorrindo de novo, com ar resoluto e voluntarioso, ele respondeu apenas:
— Não. Vou salvá-lo!
Foi fácil a D. Nuno Álvares Pereira conseguir o seu intento. Tendo narrado tudo a D. João I, depressa ele conseguiu o perdão real para Fernão Vaz. E, montando o seu corcel mais ligeiro, meteu-se velozmente a caminho, chegando bem a tempo de salvar da forca o alfageme de Santarém, que mal podia acreditar em tamanha felicidade.
Mas D. Nuno Álvares Pereira foi ainda mais além. Juntou Fernão Vaz e sua esposa num abraço de amor, dizendo:
— Assim se cumpriu a vossa profecia, mestre alfageme!
Fernão Vaz soltou um suspiro, fantasma de atroz recordação.
— É verdade, senhor... Já é conde e afinal pagastes muito melhor do que eu esperava!...
Então, D. Nuno Álvares Pereira avançou para ele. O seu semblante tornou-se mais sério.
— E agora sabeis que mais, Fernão Vaz?... Quero também armar-vos cavaleiro, para vos compensar das injustiças que vos foram feitas!
Surpreendido, o alfageme fitou D. Nuno bem de frente. A sua testa salpicou-se de reflexões. E concluiu, abanando a cabeça lentamente:
— Não, senhor D. Nuno, não pode aceitar a honra que me ofereceis. Vós sois um honrado e digno fidalgo... Não deveis descer de onde chegastes... Eu sou filho de alfageme, de um alfageme que sempre colocou o seu carácter acima de todas as coisas da vida... Por isso, D. Nuno, eu não quero subir, porque também não quero descer...
Por momentos quedaram-se em silêncio. Por fim, D. Nuno concordou.
— Aprovo as vossas palavras, embora elas contrariem um desejo que me seria muito grato. Já que nada mais pode fazer, desejo-vos muitas felicidades, para vós e para vossa esposa.
O mesmo sorriso de sempre abriu-se no rosto de Fernão Vaz.
— Obrigado, senhor... Eu bem sabia que podíamos confiar em vós!
Do alto da sua montada, D. Nuno Álvares Pereira ergueu o braço, num gesto de saudação.
— Ide, amigos!... Ide, e que Deus vos proteja!
Com um último adeus, mas sem dizer mais palavra, o alfageme e sua mulher seguiram de abalada, caminho de Santarém.
D. Nuno ficou afagando a sua espada de combate. O amor abalava para sempre da vida do herói. Mas ficava a espada que daí em diante seria a sua companheira e a sua dama!